Limites do negociado sobre o legislado
Paulo Sergio João
“São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Com essa decisão, o STF decidiu sobre a prevalência do negociado sobre o legislado, que fortalece os acordos e as negociações coletivas entre empregadores e empregados.
A intenção primeira dessa orientação vai no sentido de apaziguar as discussões em torno da aplicação do negociado coletivamente e dar às negociações coletivas segurança jurídica de sua prevalência, tendo como fundamento de que a boa-fé tenha sido respeitada pelas partes.
Todavia, as discussões que se travam em torno da interpretação da aplicação do teor do Tema 1.046 demonstram que, talvez, não tenha havido evolução tão apaziguadora.
Com efeito, já está claro que não basta a negociação coletiva pelo sindicato. Devem ser preenchidas as condições do negócio jurídico, previstas no artigo 8º, §3º, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, considerando, neste sentido o disposto pelo artigo 106 do Código Civil.
A condição básica para que uma negociação coletiva não seja nula é que a assembleia dos trabalhadores seja efetivamente representativa a fim de outorgar ao sindicato a legitimidade no processo de negociação. Em palavras outras, somente poderá negociar se autorizado pela assembleia, fonte fundamental e essencial para o livre exercício da autonomia privada coletiva. Some-se que a capacidade de negociação não poderia ser exclusiva do sindicato, mas de qualquer entidade representativa dos trabalhadores interessados que tenha recebido a outorga da negociação por assembleia.
Portanto, este primeiro passo da aplicação do Tema 1.046 não esbarra em dúvidas.
No mesmo caminho, preenchida a condição da capacidade do agente, o campo de aplicação das normas coletivas negociadas, para o que se chamou de “adequação setorial negociada”, não traz dúvidas, podendo ser entre eles o setor da atividade econômica, setor de atividade empresarial, grupo de trabalhadores identificados.
Assim deve ser, pois o objetivo da norma coletiva é pactuar ajustes de interesses e da modulação da aplicação da lei se e quando possíveis limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas.
A dificuldade de compreensão, na limitação ou afastamento de direitos, sem vantagens compensatórias, se colocará frequente diante da identificação da natureza coletiva ou individual dos direitos trabalhistas que poderiam se submeter a limitações ou afastamentos.
Que direitos são estes? A seguir o fato motivador da repercussão geral que deu origem ao Tema 1.046, pagamento de horas “in itinere”, observa-se que são direitos não assegurados literalmente por lei e que permaneceriam numa zona cinzenta de interpretação de sua validade. Estariam excluídos, nessa linha de interpretação, direitos individuais concretos e previstos em lei e que seriam absolutamente indisponíveis por manifestação de vontade individual, hipótese em que o Judiciário Trabalhista poderia se servir da previsão legal do artigo 8º, §3º, da CLT, isto é, interferindo na validade da autonomia da vontade coletiva manifestada.
A arte das negociações está em identificar as situações de natureza coletiva que não impliquem violação de direitos indisponíveis.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.