Número de casos de importunação sexual cresce 24% em um ano no Paraná e acende alerta no Carnaval
Bem Paraná
Às vésperas do feriado de Carnaval, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) ressalta a importância de se conscientizar e combater os crimes de importunação sexual, e alerta sobre a necessidade de denunciar eventuais ocorrências em meio às festividades. Isso porque, segundo o relatório de ocorrências criminais de importunação sexual da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP/PR), publicado na última quarta-feira (8/02), houve um aumento de 24% no número de boletins de ocorrência sobre esse crime registrados em 2022, em relação ao ano anterior. Foram 2.263 casos computados pelo Centro de Análise, Planejamento e Estatística (CAPE) da SESP/PR, 439 a mais do que em 2021.
Segundo a defensora pública Mariana Martins Nunes, coordenadora do NUDEM, há ainda um senso comum de que as comemorações carnavalescas dariam permissão para atos de cunho sexual praticados sem o consentimento de outra pessoa. “Muitas pessoas consideram o carnaval, época do ano de grande festividade no Brasil, mais permissiva para comportamentos machistas e abusivos, alegando ‘achei que ela quisesse’, ‘foi só um beijinho’, ‘é carnaval’, ou ‘foi culpa do álcool’”, explica Nunes.
O ambiente público, que comumente é o que recebe trios elétricos, blocos e outras atrações no Carnaval, aparece como o segundo local onde mais se registrou esse tipo de crime: 520 boletins de ocorrência sobre importunação sexual computados pela SESP no último ano se referem a crimes praticados em espaços públicos, um aumento de 22% em comparação a 2021. A quantidade de casos registrados nestes locais só fica atrás daqueles praticados na própria residência da vítima, onde ocorreram 756 atos. Ainda, conforme o relatório, 71 casos foram em “ambientes de alimentação e diversão”, como bares e restaurantes…
Em 2023, pela quarta vez o feriado ocorre sob a vigência da Lei de Importunação Sexual, dado que a legislação foi sancionada em setembro de 2018 e as comemorações de 2021 não foram realizadas a fim de conter o avanço da Covid-19. A lei nº 13.718 tipificou o crime de importunação sexual para dar conta de situações que, ou não eram tipificadas como crime, ou eram por vezes enquadradas na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (hoje revogada), que resultava no pagamento de multa pelo autor do ato. Atualmente, as penas para a importunação sexual variam de 1 a 5 anos de reclusão, se o ato não constituir crime mais grave (como um estupro).
O Código Penal considera importunação sexual todo ato libidinoso praticado contra alguém sem a sua anuência da vítima, com o fim de satisfazer o prazer do ofensor ou de terceiro. A lei considera que qualquer pessoa – homem ou mulher – pode ser vítima desse crime, porém, estatísticas demonstram que, devido ao machismo estrutural, a imensa maioria das vítimas é mulher.
São exemplos de importunação sexual “assediar fisicamente uma mulher, fazer comentários desrespeitosos [sobre seu corpo] – as famosas ‘cantadas’, toque indesejado no corpo, beijos e abraços forçados, puxar pelo braço, puxar o cabelo, esfregar o órgão sexual no corpo da mulher, se masturbar ou ejacular em público, bem como encaminhar fotos, vídeos e áudios de cunho sexual pelos meios eletrônicos sem o consentimento da vítima”, descreve a coordenadora do NUDEM.
De acordo com a defensora pública, a lei não exige que haja toque físico na vítima para que se configure o crime de importunação sexual, como nos casos de masturbação sem toque e os comentários desrespeitosos. Pessoas vitimadas ou que presenciem uma importunação sexual, ainda que sem contato físico, podem registrar um boletim de ocorrência.
A interpretação jurídica sobre haver crime quando não há toque segue em discussão, e não há um entendimento definitivo sobre a tipificação do crime nessas situações. No entanto, alguns tribunais têm entendido que, mesmo sem toque, há a prática do crime, no que alguns desembargadores e desembargadoras têm chamado de “contemplação lasciva”, em que um olhar ou um ato voltado para uma pessoa, mesmo sem toque, já pode configurar uma importunação sexual. Ainda, Nunes reitera que, independentemente de a vítima já ter mantido contato sexual com o agressor antes do crime, qualquer ato de cunho sexual sem o consentimento dela poderá configurar importunação sexual.
A defensoria pública destaca que os números são reflexo de um problema estrutural, em que os alvos preferenciais são majoritariamente mulheres. A gravidade cresce em momentos de descontração, como o Carnaval. “A cultura machista ainda acha que uma mulher não pode usar uma fantasia e pular carnaval com o intuito de se divertir sem ser incomodada. Mulheres têm direito à diversão sem importunação e não devem se culpar seja por conta da roupa ou do comportamento, porque a vítima nunca tem culpa”, analisa a defensora. Segundo o levantamento da SESP, em 57% dos boletins de ocorrência no Paraná, as vítimas tinham entre 12 e 24 anos; ainda, 37% envolvem vítimas entre 12 e 17 anos.
Embora se reconheça que em muitos casos a mulher ainda possui dificuldades para registrar um caso em que não tenha havido contato entre agressor e vítima, a recomendação é de que a mulher busque denunciar tais casos e exija seus direitos, já que a identificação e registro dos crimes de importunação sexual permite o mapeamento das demandas e a elaboração de políticas públicas para proteção das vítimas.
A defensora explica que o comportamento da vítima nunca é a causa da importunação sexual, independente do contexto do ato, mas sim a cultura machista que ainda permeia a sociedade .“Nós, mulheres, não podemos mais tolerar como normais olhares, comentários e toques indesejados. Tudo isso são expressões da cultura do estupro, que deve ser combatida não só por meio de denúncias, mas com a promoção de campanhas educativas voltadas ao público escolar e à sociedade em geral para a desconstrução dos padrões estereotipados de gênero”, reforça ela.