Medicina canabinoide no tratamento de dor neuropática: a terapia com canabinoides veio para ficar

Por Ana Gabriela Baptista, Vice Presidente da Tegra Pharma

Em maio, o Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo, recebeu a 16ª edição do Congresso Brasileiro de Dor (CBDOR). O maior evento do país dedicado a discutir novas soluções e inovações terapêuticas para diagnósticos e tratamento de dor, abriu as portas – de forma permanente – para os canabinoides, moléculas medicinais presentes na planta Cannabis.

Além dos painéis dedicados exclusivamente ao tema, o evento promovido pela Sociedade Brasileira do Estudo da Dor (SBED), lançou o 6º volume da Revista Brazilian Journal of Pain (BRJP) apenas com artigos científicos sobre Cannabis e canabinoides. Essa é a primeira vez que a Revista reúne artigos científicos sobre Cannabis e dor. Em parceria coma pesquisadora Helena Wohlers Sabo, apresentamos uma revisão de literatura de 45 artigos científicos produzidos entre 2004 e 2022 sobre neuropatia e canabinoides. Os dados foram analisados a partir das seguintes bases: National Library of Medicine (NCBI), Google Acadêmico, Medline, LILACS e Web of Science.

A curadoria, proposta nesta revisão literária, excluiu pesquisas e artigos que não apresentassem uma metodologia clara e bem definida. Também ficou de fora trabalhos que não incluíam os fitocanabinoides e a dor neuropática no campo de atuação.

Ressalto que a dor neuropática, que debilita o paciente, atinge de 7 a 10% da população mundial, segundo dados da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP). Esse tipo de patologia ocorre quando há uma lesão no Sistema Nervoso Central ou Periférico, cuja dor persiste por mais de três meses seguidos. E para tratar essas disfunções, a medicina tem se utilizado de fármacos que, muitas vezes, alivia a sensação momentânea, mas trazem outras comorbidades associadas, como por exemplo: refratariedade dos sintomas, alta taxa de intolerância, distúrbios do sono e alterações de humor.

Os canabinoides podem auxiliar na modulação dos efeitos opióides da dor neuropática com ação anti-inflamatória, analgésica e de modulação do humor, revelam as pesquisas científicas analisadas. s estudos indicam, ainda, que moléculas como o CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol) podem substituir os opioides com menos efeitos colaterais e tratar o indivíduo como um todo a partir da neuromodulação do sistema endocanabinoide, que foi descoberto na década de 1990 pelo pesquisador israelense Raphael Mechoulam. O químico revelou que esse sistema de neuromodulação é composto pelos receptores CB1 e CB2, responsáveis por atuar na modulação da dor e nos processos inflamatórios que equilibram o sistema imunológico.

Como os receptores CB1 e CB2 estão localizados em sítios espinhais, supra espinhais e locais periféricos, a ação analgésica dos canabinoides – nesses pontos de atuação – têm demonstrado eficácia em relação ao uso de opioides tradicionais.

Muitos desconhecem, mas o corpo humano produz endocanabinoides (anandamida e arachidonoylglycerol). Essas moléculas possuem estruturas químicas muito similares aos fitocanabinoides encontrados na Cannabis. Na minha visão, como resultado, os canabinoides da planta podem repor eventuais deficiências presentes no sistema endocanabinoide proporcionando a chamada homeostase corporal, que é o equilíbrio das condições internas do corpo diante de estímulos externos.

Evidências científicas

Muito embora o número de médicos prescritores tenha crescido, substancialmente, nos últimos anos, ainda hoje, escuto a falácia de que faltam evidências científicas que comprovem a segurança do uso medicinal da Cannabis. As a academia tem rechaçado esse argumento vazio com dados interessantes e palpáveis. Um dos estudos clínicos, que analisei , conclui que o THC associado ao CBD, por exemplo, pode reduzir em 50% a intensidade da dor com o uso de um spray na oromucosa (uso bucal).

Uma pesquisa demonstrou que o dronabinol (THC sintético produzido em laboratório) atuou positivamente como ansiolítico, analgésico, anti-inflamatório e com aumento de sedação em pacientes com esclerose múltipla. Já em ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo e desenho transversal, os pacientes obtiveram redução de 30% da intensidade da dor com o uso vaporizado da planta in natura.

Ao final da análise desta revisão literária, chego à conclusão de que os canabinoides têm um potencial importante para tratamento tanto da dor, quanto dos sintomas associados relacionados com a melhora do sono e distúrbios do humor.

Entretanto, ainda existem alguns entraves que podem inibir a expansão da medicina canabinoide no Brasil, pelo menos, por enquanto. Entre as dificuldades: a falta de padronização de concentrações, o pouco tempo de acompanhamento dos estudos clínicos, as diversas vias de administração e o regulatório.

Ainda assim, os números mostram uma escalada na prescrição de canabinoides no Brasil, como mencionado anteriormente. Em 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação de produtos à base de Cannabis, 2.550 pacientes receberam a autorização. No ano passado, foram quase 80 mil. Apesar de a maior parte dos pacientes no Brasil ainda importar o produto, por hoje ser mais barato, a compra diretamente nas farmácias mais do que triplicou em um ano.

Hoje percebo que, graças às pesquisas científicas e o acesso à informação de qualidade, o cenário se transforma. Observo cada dia menos resistência da classe médica em prescrever canabinoides e pacientes cada vez mais ativos cobrando conhecimento e formação dos profissionais da saúde. E não é preciso ter bola de cristal para prever: quem não estudar a medicina canabinoide vai ficar para trás.

*Ana Gabriela Baptista, Vice Presidente da Tegra Pharma