Vereadores podem ser punidos por não julgar contas do prefeito

A competência do Poder Legislativo para julgar as contas anuais do chefe do Poder Executivo é inafastável – artigos 31, 49 e 71 da Constituição Federal (CF/88). Portanto, a câmara municipal tem legitimidade para julgamento do prefeito independentemente do tempo que tenha transcorrido desde o recebimento do Parecer Prévio do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).

O simples atraso no julgamento das contas não deve acarretar penalidade pessoal aos vereadores, pois qualquer prazo fixado para sua realização é impróprio. No entanto, a omissão injustificada da câmara municipal em apreciar o parecer do TCE-PR constitui infração grave às disposições constitucionais, que pode resultar em responsabilização administrativa, criminal ou civil.

De qualquer forma, indiferentemente do tempo transcorrido desde o recebimento do Parecer Prévio do TCE-PR, não é possível que seja realizado julgamento ficto das contas do prefeito por decurso de prazo.

Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pela presidente da Câmara Municipal de Nova Aliança do Ivaí em 2018, Rosângela Maria Freire Costa, por meio da qual questionou se o Legislativo perderia a legitimidade para julgar as contas do prefeito em razão de eventual lapso temporal desde o recebimento do parecer do TCE-PR; se a falta de julgamento das contas do chefe do Poder Executivo implicaria alguma responsabilidade; e se seria possível a realização de julgamento ficto em razão de omissão do Poder Legislativo em julgar as contas do prefeito.

Instrução do processo

A Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Nova Aliança do Ivaí concluiu que o julgamento das contas do prefeito pelos vereadores é uma competência a eles atribuída pelo texto constitucional; a falta de julgamento pela câmara pode resultar em improbidade administrativa; e não existe julgamento ficto das contas de prefeito.

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o decurso de lapso temporal não implica perda de legitimidade, capacidade ou competência para julgamento das contas do prefeito, por se tratar de prerrogativa constitucional. Mas a unidade técnica advertiu que a ausência de julgamento das contas pela câmara municipal decorrente de conduta omissiva deliberada e injustificada do agente público competente para a prática do ato pode ensejar responsabilização administrativa, criminal ou civil.

Finalmente, a CGM ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) nº 729.744 – MG, já decidira que cabe exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo municipal; e, portanto, não é possível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) destacou que o Parecer Prévio do Tribunal de Contas não pode substituir a competência exclusiva da câmara municipal para o julgamento das contas do prefeito, mesmo que tenha sido descumprido prazo eventualmente fixado na legislação orgânica municipal, pois tal prazo seria impróprio. O órgão ministerial concordou com o posicionamento da CGM.

Fiscalização é responsabilidade do poder legislativo

O artigo 31 da CF/88 dispõe que a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

O parágrafo 1º desse artigo expressa que o controle externo pela câmara municipal será exercido com o auxílio dos tribunais de contas do estado ou do município ou dos conselhos ou tribunais de contas dos municípios, onde houver; e o parágrafo seguinte (2º) fixa que o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da câmara municipal.

O inciso IX do artigo 49 do texto constitucional estabelece que é competência exclusiva do Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo.

O inciso I do artigo 71 da CF/88 dispõe que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento.

O RE 729744/MG do STF consolida o entendimento de que, em razão de caber exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo municipal, não é possível o julgamento ficto das contas do prefeito por decurso de prazo.

Decisão é expressa

O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, concordou com a CGM e o MPC-PR. Ele entendeu que não há possibilidade de afastamento da competência da câmara municipal para julgar as contas do prefeito; nem de julgamento ficto por decurso de prazo, conforme tema de Repercussão geral no STF.

Bonilha ressaltou que o texto constitucional é claro ao estabelecer que compete ao Poder Legislativo julgar as contas anuais do chefe do Poder Executivo, após a emissão do parecer prévio pelo Tribunal de Contas.

O conselheiro explicou que as contas de governo devem ser submetidas a um processo político-administrativo realizado em duas etapas: a primeira junto ao Tribunal de Contas, que possui corpo técnico especializado para efetuar a análise quanto aos aspectos contábil, financeiro e orçamentário; e a segunda junto ao Poder Legislativo, observados em ambas as etapas os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O relator frisou que o Parecer Prévio do Tribunal de Contas constitui peça essencial que irá orientar e fornecer subsídios ao Poder Legislativo, o que confere ao julgamento um caráter técnico especializado. Mas Bonilha destacou que a supressão da deliberação legislativa por decurso de prazo, com a aprovação tácita do parecer prévio, subverteria o sistema de controle, o qual prevê que o julgamento das contas do governo tenha também de natureza política; e cercearia o direito à defesa do interessado perante o Legislativo.

O conselheiro afirmou, também, que o simples atraso no julgamento das contas não deve acarretar penalidade pessoal aos vereadores, já qualquer prazo eventualmente fixado é impróprio. Mas ele ressaltou que a omissão injustificada em apreciar o parecer do Tribunal de Contas pode resultar em responsabilização administrativa, criminal ou civil. Finalmente, Bonilha frisou que, no âmbito do TCE-PR, a ausência de julgamento pode ensejar a desaprovação das contas da câmara municipal.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão ordinária nº 25 do Tribunal Pleno, realizada em 26 de agosto por videoconferência. O Acórdão nº 2149/20 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 2 de setembro, na edição nº 2.374 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 15 de setembro.

Sede do Tribunal de Contas do Paraná: contas de governo devem ser submetidas a um processo político-administrativo.
Foto: Arquivo

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