O impacto social da popularização da gravidez tardia entre celebridades

* Por Alvaro Pigatto Ceschin

Proporcionar uma gestação tranquila para mães pode ter efeitos no desenvolvimento cerebral dos filhos

O sonho da maternidade tem sido adiado por muitas mulheres brasileiras nos últimos anos. A gravidez tardia tornou-se um reflexo de diversos fatores sociais, entre eles o avanço tecnológico e digital, que vem ao encontro a uma realidade cada vez mais comum na sociedade contemporânea.

Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que o número de mulheres que engravidam depois dos 35 anos quase dobrou em duas décadas. Todas essas mudanças refletem diretamente na medicina, em especial, na reprodução assistida, que é minha área de conhecimento.

Em 32 anos de atuação, acompanhei diversas mudanças na área de reprodução que resultaram no que temos hoje: técnicas aprimoradas que permitem o congelamento de gametas (óvulo e espermatozoide) e sua utilização de forma programada. O método é usado principalmente em mulheres que aproveitam esses avanços para adiarem a maternidade.

Entretanto, as evoluções precisam ser analisadas de forma ampla, com o objetivo de viabilizar sua utilização conscientemente.

A percepção de segurança atrelada à reprodução assistida é algo que me preocupa. A glamourização da maternidade tardia e do congelamento de gametas para postergar uma gestação nunca foi tão difundida como nos últimos tempos. Ela vem reforçada pela representatividade de celebridades que compartilham toda sua trajetória, desde o resultado positivo ao primeiro post do bebê. Até que ponto essa visibilidade é saudável?
É inegável que a difusão acerca de técnicas sobre reprodução assistida é importante, e não podemos tirar o peso que figuras formadoras de opiniões possuem nessa equação.

Entretanto, a sociedade já presenciou algo parecido com a popularização de cirurgias plásticas. Com o tempo, técnicas que visavam as correções em pacientes que necessitavam de alguma reconstrução ou alteração do corpo foram se moldando e, hoje, são objeto do desejo de muitos que almejam a juventude.

Passamos a temer o envelhecimento e a camuflar os sinais da idade. A beleza se tornou uma indústria milionária, e o Brasil é o segundo país que mais realiza procedimentos com objetivos estéticos.

Olhando para a reprodução assistida, temos no congelamento uma esperança de minimizar os efeitos da idade na qualidade e quantidade de óvulos. As mulheres dos tempos atuais estão conquistando seus espaços na sociedade, ocupando lugares de destaque e construindo carreiras. A mulher ampliou seus horizontes para além de gerar filhos. E esse é só um dos motivos que as levam aos consultórios para o congelamento de óvulos.

Mas é preciso compreender que, quando falamos de fertilidade, a fisiologia da mulher tem certas restrições decorrentes da idade. E, ainda mais importante, compreender que o congelamento de óvulos não garante uma gravidez, mas um apoio para a concretização de uma gestação.

Assim como a utilização de procedimentos estéticos com a finalidade de retardar o envelhecimento fisionômico, a reprodução assistida tem sido encarada como um ideal de postergar a fertilidade e essa é uma concepção ilusória.

A exposição de celebridades que esbanjam saúde durante uma gestação depois de seus 40, 50 anos de idade reforça esse ideal, e nós, profissionais da saúde que lidamos diariamente com os mais diversos casos em nossos consultórios, precisamos ser realistas: é preciso tomar cuidado com a gestação tardia!

Para um olhar mais assertivo, faz-se necessário se aprofundar na fertilidade feminina, em específico. Como já dito no início deste artigo, em perspectiva médica, a mulher, após seus 35 anos (com um bom prognóstico, 38 anos), independentemente do uso de anticoncepcionais, apresenta uma redução da sua reserva ovariana e a qualidade desse gameta sofre alterações cromossômicas, comprometendo a possibilidade de uma boa fertilização.

Por protocolo, realizamos uma série de testes para assegurar esse potencial do material genético, por exemplo, testes da reserva ovariana, dosagens hormonais, prolactina, FSH, LH , Estradiol, Prolactina, Hormônio Anti Mulleriano, ecografia transvaginal para contagem de folículos antrais, entre outros.

E, sim, é possível que uma mulher aos 40 anos conte com uma boa saúde fértil para a coleta e congelamento de óvulos, mas, mesmo tendo boa reserva, a qualidade dos óvulos, de certa forma, pode estar comprometida. Precisamos compreender que cada mulher é única e que não existe uma regra absoluta quanto à fertilidade de um indivíduo. Os prognósticos são claros e temos a responsabilidade de esclarecê-los para uma paciente.

A reprodução assistida trabalha com dores e sonhos; sabemos que um resultado positivo pode mudar completamente a vida de uma paciente, e nosso compromisso é dar todo o suporte para que esses sonhos se tornem realidade.

Acredito que essa glamourização da reprodução assistida é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que permite que muitas mulheres tenham o conhecimento de possibilidades médicas na área, também pode gerar um entendimento falho de que, se uma conseguiu, a outra também pode.

Fonte: Fórum CNN
[acessar texto no portal CNN Brasil]

[*] Dr. Alvaro Pigatto Ceschin é especialista na área de Reprodução Humana Assistida, com ênfase em oncofertilidade, congelamento de óvulos e tecidos. Atualmente é presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e professor doutor pela Faculdade Evangélica do Paraná.