Abrindo o livro da vida…

 

Izaura Varella

Em meu recanto, Deus mora comigo, com toda a intensidade. Em tempo algum me sentirei sozinha! Mesmo com as janelas fechadas da casa, com as portas entreabertas percebo que ELE entra e me faz companhia; não por alguns momentos, mas, o tempo todo. Principalmente, quando estou sozinha, entregue à meditação e ao pensamento que se alongam pelas lembranças, ELE está aí, sentado, misterioso, silencioso, invisível e intocável, ao meu lado, transparente,
mas está aí. Isto traz um conforto inexplicável e tenho muita pena daqueles que não acreditam NELE. A espiritualidade está em nosso âmago e por mais perdida no deserto da vida, que você se sinta, nunca estrei deixada ao abandono! Por isso mesmo, nunca me sinto sozinha, nem
solitária, principalmente, nas horas em que as saudades chegam e insistem em entrar. Nem sempre deixo que entrem, pois, algumas me ferem, outras me entristecem, outras revolucionam a minha alma. Porque a minha alma é sensível ao tempo, às lembranças, às dores, às amizades,
ao amor dos amigos e amor da família. Nem me amam tanto assim, mas, sei que nunca deixarei de ser uma memória na vida de cada um, pelo caminho por onde passei.

Às vezes escancaro as portas, parecem até as portas da vida… E deixo estas portas abertas e por ela entram meus alunos do passado, hoje homens feitos e até vovós e vovôs… Quem diria, que depois de tanto tempo eu encontraria meus aluninhos pelos caminhos do tempo e ainda estas crianças que cresceram, se recordarem de detalhes de minhas aulas. Isto é realmente, um privilégio ficar na lembrança de alguém; mas, nem todos se lembram assim, outros já esqueceram e viraram a página da vida para nunca mais voltar e perderam a memória daquela jovem e muito jovem professora, repleta de ideais e sonhos, na frente do quadro negro e com o giz na mão pensando que estava educando os filhos que ainda não tinha.

Pela porta escancarada entram e saem as lembranças, pelas janelas abertas entram e saem os reconhecimentos falsos ou verdadeiros, mas fluem como tudo na vida se liquidifica e passa… Porém, quando abro meus velhos cadernos de anotações, as lágrimas veem em abundância, pois, em cada linha escrita existe um sentimento revelado naquele momento da escrita. Sentimentos de decepções, e que logo trazem os sentimentos de desapego, para acalmar a alma e o coração. Os sentimentos e as lembranças são fatais; entram, amassam a alma e vão embora deixando um vazio inexplicável.

Mas, a minha vida que transcorre ainda, e dou graças a ELE, não foi só isso, foi muito mais e será ainda muito mais ardente! Enchi minha vida de amigos, bons e maus, que ainda persistem
estar por perto e isto ainda me ajuda na difícil arte de reconhecimento do bem do mal. Há ainda aqueles que se foram… E nunca mais entrarão pelas portas abertas da minha casa… Não por que não queiram, mas porque a oportunidade do novo encontro foi suprimida e somente será possível vê- los quando ultrapassarmos a barreira desta jornada que me resta!

Jamais chorarei pelas oportunidades que perdi, pelos amores que se foram, pela fortuna que se desejava, pelas viagens que não fiz, pelos pertences que não tive, pelos amores que perdi. O que
tenho hoje, simplesmente me basta e sequer mereço!

Izaura Aparecida Tomaroli Varella
Academia de Letras de Cianorte
Patrono: Carlos Drummond de Andrade

Cadeira Número 1