Cidades inteligentes: da década de 90 para o amanhã

Por Sylvio Mode — Presidente da Autodesk

Sempre penso muito nos temas dos meus artigos e fiquei vislumbrando para o que precisamos chamar atenção, além de assuntos cotidianos. Há um tema que ganhou popularidade na década de 90, esteve em voga há alguns anos, mas de vez em quando fica em segundo plano: as cidades inteligentes. E precisamos retomar pois sempre esteve inserido no núcleo da transformação digital, um assunto fascinante e que é de suma importância para a contínua evolução da sociedade, em todas as suas vertentes, na busca por melhor qualidade de serviço governamental e bem-estar do cidadão.

Me inclino a acreditar que alinhar avanços tecnológicos ao progresso social e ambiental por meio de soluções digitais e disruptivas parece ser a fórmula para uma cidade inteligente. Buscando esse resultado, os cidadãos podem ter acesso a melhores serviços públicos e a uma qualidade de vida superior. Esse é um conceito que não surgiu de repente, é o resultado de planejamento, trabalho e, é claro, do comprometimento de governos, empresas e também das populações que já vivem essa realidade. Mas justamente por já ser uma concepção inserida em nosso cotidiano, agora as expectativas giram em torno de como evoluirão, o que deixa o nosso imaginário voar longe e nos questionarmos: existe uma cidade mais inteligente que outra?

Em todo o mundo, mais da metade das pessoas vivem em áreas urbanas, inteligentes ou não, embora esse ecossistema ocupe menos de 1% da superfície terrestre¹. No Brasil, a concentração urbana ainda é maior, chegando a aproximadamente 84% de toda a população². Em 2020 éramos 7,8 bilhões de pessoas, sendo 4,3 bilhões vivendo nos grandes centros. Até 2050 esse número tende a aumentar, chegando a 7 bilhões³.

Devido à grande concentração populacional urbana, as cidades enfrentam diversos problemas: mobilidade, saneamento básico, habitação, poluição etc. É indiscutível que a cidade hoje é mais que complexa. São organismos vivos que compõem uma enormidade de informações, dados, equipamentos urbanos e privados, além da convivência entre as diversas entidades sociais, econômicas e ambientais. Exigem respostas muito mais preparadas e precisas. Ou seja, é necessário automatizar, projetar e construir de forma inteligente e investir cada vez mais em elementos tecnológicos que contribuam para serem chamadas de ‘inteligentes’.

Mas o que torna a cidade inteligente tão especial? Podemos considerar que são os elementos ‘inteligentes’ e sensores conectados, ou será a digitalização dos equipamentos e recursos de aquisição e análise de dados, os semáforos sincronizados para melhorar a mobilidade urbana, IoT, AI, Big data, entre outros. Independentemente do nosso achismo, as cidades inteligentes têm como missão melhorar a qualidade de vida, a eficiência das operações e dos serviços necessários para a população. Tem um viés de sustentabilidade com aspectos de economia, social e ambiental.

Um dos melhores exemplos de cidade inteligente vem da Ásia. Cingapura, uma das nações mais ricas do mundo, a chamada cidade-estado, abriga vários exemplos bem-sucedidos. Começando pelo porto, o mais movimentado do mundo em termos de tonelagem de transporte. Nos últimos anos, o governo implementou uma estratégia para transformar Cingapura em uma ‘cidade jardim’ com ‘super árvores’ movidas a energia solar que podem atingir até 50 metros de altura e edifícios inteligentes e sustentáveis. Fachadas verdes, força do vento para climatizar edifícios, assim como uma visão progressiva de transporte urbano que também conta a favor no local.

Por aqui, como provedores de tecnologias inovadoras, somos desafiados a todo instante em desenvolver soluções para os setores de AEC que contribuam na elaboração de projetos que agreguem inteligência digital ao mundo urbano para que cidades inteligentes e comunidades sustentáveis prosperem. A metodologia BIM (Modelagem da Informação da Construção) representa um passo fundamental como catalisadora de cidades inteligentes: uma solução que por meio da construção virtual, cria áreas com desenvolvimento sustentável ao promover a remodelação urbana sem perder o brilho do patrimônio ou do local, tudo de forma colaborativa e transparente.

No entanto, o projeto urbano de sucesso para uma cidade inteligente é complexo, caracterizado por sobreposição entre os espaços públicos e privados. Ambientes ocupados por infraestruturas viárias, presença de serviços subterrâneos (transporte elétrico, gás, água potável, saneamento), necessidade de gerir a acessibilidade por meio dos diversos modais, além das estruturas para grandes obras, como viadutos, pontes e vias. Redução de tempo e maior velocidade no ciclo de vida do projeto são a chave para as smart cities.

Isso me leva a concluir que as cidades inteligentes do futuro são cidades humanas. Mas o que isso significa? Espaços urbanos verdes e superfícies abertas, ou seja, espaços integrados, inclusivos, seguros, multifuncionais e sustentáveis. Podemos considerar o ‘going green’ onde o aumento da vegetação traz grande impacto na vida dos cidadãos -, a ideia da ‘cidade dos 15 minutos — que significa chegar a todos os serviços urbanos em 15 minutos -, os ‘hubs de mobilidade’, com serviços partilhados e acesso ao transporte público. Enfim, os olhos brilham diante dessas e outras tendências que moldam o futuro das cidades inteligentes.