Hora de aperfeiçoar as conquistas do saneamento e apoiar os municípios
Ricardo Lazzari Mendes (*)
Em meio ao triste diagnóstico de que em 2020 cerca de 16% da população brasileira não tinham acesso à água potável e 45% não eram servidos de esgotamento sanitário, segundo dados divulgados pelo SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), o Novo Marco Legal do Saneamento tem a missão de mudar esse panorama e garantir acesso à água potável para 99% da população brasileira e atender à demanda de coleta e tratamento de esgoto para 90% das pessoas até 2033.
A aprovação da Lei 14.026 representa um grande passo para o setor dar sequência aos propósitos iniciados na Lei 11.445, de 2007, como a regionalização da prestação de serviços. O modelo permite a associação voluntária de entes federativos por meio de consórcio público ou convênio de cooperação, garantindo a prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em regiões que abranjam mais de um município.
A reorganização do setor é um diferencial importante para a atração de investimentos privados e para o fortalecimento da sustentabilidade econômica da prestação de serviço.
Vale destacar que, em apenas dois anos, foram realizados 21 leilões de concessões no setor, beneficiando cerca de 24 milhões de pessoas em 244 Municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, com investimentos estimados em R$ 82,6 bilhões. Destaques para as concessões e PPPs realizadas no setor nos estados do Amapá, Rio de Janeiro (Cedae), Alagoas (região metropolitana de Maceió, agreste do sertão, Zona da Mata), Ceará (região metropolitana de Fortaleza e Cariri), Espírito Santo (Cariacica e Viana) e Mato Grosso do Sul (esgotamento sanitário), com expressivos valores de investimentos.
Em 2021, mesmo ainda em processo de recuperação da pandemia, os investimentos no setor cresceram 27%, sendo que os provenientes da iniciativa privada cresceram 41% em relação ao ano anterior. Outro dado que chama a atenção é que a participação do setor privado no atendimento à população passou de 14%, em 2019, para cerca de 23%, em 2022.
Agora, um novo governo passa a comandar o País e temos certeza de que as conquistas com o novo marco legal do saneamento avançarão ainda mais no próximo período. Afinal, a nova lei foi amplamente debatida e resultou dos esforços de parlamentares, de entidades representativas da sociedade civil e de especialistas, que se debruçaram para buscar soluções para um setor essencial da infraestrutura brasileira.
Destaca-se, também, uma nova função da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que agora tem um papel fundamental na qualificação da regulamentação e é responsável pela proteção dos cidadãos atendidos por operadoras do setor. Para garantir a segurança jurídica dos contratos, é essencial que a agência acelere sua agenda de diretrizes de referências, as quais servirão de guia para as mais de 80 agências reguladoras infranacionais.
Importante ressaltar que a agência tem autonomia técnica e maior independência frente a pressões e tentativas de captura por parte dos operadores e poderes concedentes, bem como às tentativas de interferências políticas. Plausível que seja assim e mantido e repactuado pelo novo governo.
Outro ponto importante, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) agora conta com instrumentos importantes para que o País possa eliminar o tratamento inadequado do lixo. Em 2022, cerca de 40% dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) ainda foram destinados a lixões. Ou seja: 30.186.659 toneladas de resíduos ainda precisam passar por uma gestão adequada. O novo marco traz ferramentas para que os municípios estabeleçam consórcios e coloquem um fim aos lixões que ainda resistem de Norte a Sul do País. Apesar da obrigatoriedade da cobrança pelo serviço, a maioria dos municípios não adotou a medida. O custo político de uma decisão de impacto como esta desponta como principal barreira para o início da cobrança.
Entre os ajustes mais urgentes do novo marco está a necessidade de prorrogação do prazo para as cidades elaborarem o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Com data final em 30 de dezembro de 2022, muitas localidades não conseguiram cumprir a obrigatoriedade e podem ficar sem recursos federais para saneamento básico. Nesse quesito, mais do que prorrogar o prazo, é preciso oferecer instrumentos às administrações municipais para a elaboração desse documento. Um exemplo de solução ocorreu no estado de São Paulo, que contratou empresas especializadas em consultoria para todos os municípios. Outro ponto de divulgação e apoio técnico aos municípios é o Boletim do Saneamento, que congrega informações diferenciais e orientativas e foi desenvolvido e apoiado por instituições representativas da área de consultoria e projeto.
Outra demanda importante dos municípios é a possibilidade de as companhias estaduais prorrogarem o prazo de seus contratos, como forma de alcançar o reequilíbrio econômico-financeiro. Com a aprovação da Lei 14.026, os contratos com as prestadoras de serviços de saneamento precisaram incorporar obrigações que não existiam no momento da assinatura dos documentos. Com isso, resta uma insegurança nesse quesito, que precisa ser solucionada.
Assim como a elaboração do novo marco legal do saneamento recebeu a contribuição de importantes players do setor, acreditamos que conseguiremos avançar com a continuação dessa ampla participação. A estruturação do setor de saneamento já está delimitada com a nova legislação e já provou ser capaz de atrair investimentos e ser uma resposta objetiva para o alcance das metas. Cabe agora proceder aos ajustes, como forma de mudar a nossa história e garantir uma boa qualidade de vida para toda a população brasileira.
(*) Ricardo Lazzari Mendes é presidente da Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente), engenheiro pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP, doutor em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica da USP e coordenador do Portal Boletim do Saneamento.