O que esperamos para a próxima geração de satélites geoestacionários brasileiros?

Luciano Rodrigues

Atualizações de sistemas operacionais fazem parte da rotina moderna de pessoas e empresas. Celular, smartTV, computador e outros aparelhos de uso diário passam por atualizações periódicas de aperfeiçoamento de funções ou simples mudança na interface e que contribui para sua estabilidade e segurança. É recomendável para quem utiliza e obrigatório para quem produz. Afinal, produto desatualizado torna-se mais suscetível a ameaças e pode ter o funcionamento totalmente comprometido. O mesmo vale para os satélites espaciais que tem como desafio estarem em órbita e às adversas condições do espaço. Garantir atualizações a partir da Terra é o melhor caminho, porém, não é uma questão simples de solucionar. Teremos novas gerações de satélites brasileiros capazes de receber melhorias de sistema remotamente, com maior rapidez e segurança, e menores custos a longo prazo? Até aqui a certeza é que não podemos esperar 30 anos para pensar no assunto.

Segundo o Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Sideral, quase 11 mil satélites estão em atividade na órbita da Terra. Só os EUA têm mais de oito mil deles, seguido da Rússia (3.670) e China (900). O Brasil não fica fora da lista com 13 satélites em órbita, com o primeiro lançado em 1993. Em 2013, França e Brasil firmaram acordo para a construção e lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC). O satélite foi construído pela empresa de tecnologia francesa Thales Alenia Space e tornou-se o primeiro totalmente operado e controlado pela administração federal, em uma parceria entre a Telebras e os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

O SGDC foi lançado para prover cobertura de internet a 100% do território nacional, fornecendo um meio seguro e estratégico para as comunicações do governo brasileiro, levando conectividade para áreas remotas do país. Na época, além da construção, a fabricante francesa promoveu a transferência de tecnologia, garantindo treinamento de cerca de 40 engenheiros brasileiros em técnicas da indústria espacial.

Desde o lançamento do SGDC, em 2017, o um famoso sistema operacional de dispositivos móveis teve nove atualizações. Compartilhamento mais fácil de WI-FI, adição do menu rápido, reconhecimento facial 3D foram algumas das melhorias implementadas desde então. Mas um sistema, ou melhor, um conjunto de sistemas aplicados à operação de um satélite exige muito mais conhecimento, pesquisa e investimentos. São variáveis bem mais complexas de equalizar, na terra e no espaço.

Dez anos depois da assinatura do contrato e seis após o lançamento, o SGDC segue seu papel de máxima relevância nos âmbitos militar e civil. Mas desde então, a tecnologia avançou muito, a internet migrou de 3G para 5G (e já se fala em 6G), passamos a conviver com serviços baseados em blockchain, compramos criptomoedas e até criamos novas obras de arte com Inteligência Artificial, vendidas como NFT. Sem falar na escalada e no potencial cada vez maiores das ameaças cibernéticas e das guerras eletrônicas. Mas o que esperamos para a próxima geração de satélites nacionais? Como estar preparados para novos desafios já em face? Temas dessa dimensão exigem tempo, pesquisa e muito diálogo, e como o relógio não para, demandam agilidade – especialmente por se tratar de um assunto estratégico para segurança e desenvolvimento do país.

A solução pode já estar entre nós. O satélite geoestacionário de alto desempenho Amazonas Nexus, lançado em fevereiro, nos Estados Unidos, traz como novidade o processador Digital Transparent Processor (DTP) de nova geração. Essa inovação tecnológica é essencial para aumentar a flexibilidade geográfica da missão e responder às eventuais evoluções com relação ao cenário comercial inicialmente previsto.

Com o DTP, a carga útil do satélite é processada digitalmente, permitindo atribuir, em órbita, as capacidades necessárias a qualquer momento. Outra inovação é a arquitetura e a capacidade de banda KA de melhorar as comunicações entre gateways e satélite, permitindo aumentar a capacidade de bordo à disposição para uso comercial.

Esperar uma tecnologia tornar-se obsoleta e comprometer serviços estratégicos e essenciais a um país é o maior custo para o desenvolvimento da próxima geração de satélites brasileiros. Discussões e principalmente soluções devem ser iniciadas com antecedência, envolvendo a comunidade científica, militar e industrial. Em órbita, temos embarcado muito mais que chips e sensores. Há transferência de tecnologia, pesquisas acadêmicas e muitos empregos ao longo de uma enorme cadeia de fornecedores. Isso tudo não pode simplesmente ser desativado e virar lixo espacial quando há possibilidade de progredir.

Luciano Rodrigues é Engenheiro Mecânico e Diretor Geral da Thales no Brasil